"Os seres humanos nascem ignorantes, mas são necessários anos de escolaridade para torná-los estúpidos."

George Bernard Shaw, dramaturgo irlandês (1856-1950)

domingo, 31 de outubro de 2010

O futuro da Política Nacional de Resíduos Sólidos e o caso Ilha Solteira

Adaptado de *Elisabeth Grimberg

No dia 02 de agosto foi sancionada a Lei nº 12.305/2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, fruto de 20 anos de luta por um marco regulatório.

A cultura de negligência das administrações públicas com o meio ambiente neste setor não é novidade, e essa é uma questão emergencial a ser enfrentada. A nova lei, que definiu o prazo de quatro anos para fechamento dos lixões, certamente irá reverter este quadro lastimável.

Um exemplo deste problema pode ser observado em Ilha Solteira, e demostra que a administração muncipal tem muito que apreender. Na Avenida Continental, próximo a sáida da Alameda Minas Gerais é possível observar o destino incorreto dos resíduos sólidos, para o aterro de um trecho de escoamento de água pluvial.

Foram usados materiais gerados em construções e outros tipos de residuos que estão destinados de forma inadequada, como plasticos e papelões. Observe-se que são materiais reciclados!



Mas tudo isso vai mudar cidadão ilhense, por que a nova Lei apresenta o processo de formulação da política acontece e termina por contemplar diretrizes que podem mudar radicalmente o padrão de gestão e destinação de resíduos sólidos no país. Destacam-se como aspectos positivos da lei o estabelecimento de diretrizes nacionais centradas nos princípios da prevenção e precaução, ou seja, de padrões sustentáveis de produção e consumo segundo a lógica da não geração, redução, reutilização e reciclagem, além da disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos em aterros sanitários.

A lei diferencia claramente o que é lixo, ou seja, rejeito, a fração dos resíduos que não tem possibilidade de ser reaproveitada – 5% de tudo que é gerado1 – do que é passível de reaproveitamento, trazendo instrumentos importantes para a estruturação de outro patamar de gestão, como a exigência de planos de resíduos sólidos em âmbitos nacional, estadual e municipal que apresentem “metas de redução, reutilização e reciclagem, com vistas a reduzir a quantidade de resíduos e rejeitos encaminhados para disposição final ambientalmente adequada”. Os governos estaduais e municipais terão prazo de dois anos para apresentar seus planos de ação.


Outro instrumento que merece destaque como conquista da sociedade é a instituição dos sistemas de logística reversa associados à responsabilidade do setor empresarial: a lei exige que fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes assumam responsabilidade sobre os resíduos gerados.

A expectativa é de que os acordos setoriais a serem firmados entre poder público e setor empresarial viabilizem em nível municipal a implementação de sistemas de coleta seletiva (e triagem) previstos nos planos municipais de gestão integrada de resíduos sólidos. Está prevista a possibilidade de o setor empresarial remunerar o poder público municipal para realizar a logística reversa, o que é bastante razoável, tendo em vista que diversas multinacionais, presentes no Brasil, já praticam a responsabilidade compartilhada na gestão dos resíduos sólidos em países da Europa.



Seja qual for o procedimento a ser adotado para a implementação do retorno das embalagens pós-consumo para a cadeia de reciclagem, a aposta é que haja a devida valorização das cooperativas de catadores, como profissionais a serem contratados para prestar este serviço nas cidades. A lei garante em 11 referências a participação legal das cooperativas e associações de catadores, evidenciando o justo reconhecimento da contribuição ambiental desse segmento ao longo de décadas.

Aliás, esses trabalhadores são genuínos agentes ambientais, que não só alimentam a cadeia produtiva, permitindo sua crescente dinamização, como desenvolvem um trabalho exemplar de educação ambiental junto à população. Vale lembrar que, em 2007, com a aprovação da Política Nacional de Saneamento Básico, também houve avanço ao ser criado um dispositivo para viabilizar a entrada dos catadores nos sistemas de coleta seletiva, como prestadores de serviços com dispensa de licitação.

Preços

Outro aspecto bastante positivo da lei são as medidas de incentivo à formação de consórcios e viabilização da gestão regionalizada, o que permitirá soluções com vistas a aumentar a capacidade de gestão das administrações municipais, a ganhos de escala, com redução de custos no caso de compartilhamento de aterros sanitários para disposição do rejeito; e no caso de criação de centrais de comercialização regionais, operadas por cooperativas de catadores, a possibilidade de ganhos de escala (pela armazenagem dos materiais recicláveis oriundos de cooperativas de diversos municípios) resultará em obtenção de melhores preços.



A lei vem em momento oportuno, dado que houve um aumento de 8% na geração de resíduos, de 2008 para 2009. Neste sentido, ainda há muito a avançar quanto à mudança no padrão de produção, de maneira a reduzir ao máximo os produtos descartáveis e de curta vida útil. Este ponto, que envolve análise e avaliação do ciclo de vida do produto, deixou a desejar na lei aprovada, porque com este instrumento o Estado poderia exigir dos fabricantes que apresentassem os impactos dos seus produtos, desde a extração da matéria prima até o pós-consumo, de forma a poder se comparar, por exemplo, no caso das embalagens, qual o melhor material a ser utilizado do ponto de vista ambiental.

Estudos internacionais indicam que as embalagens retornáveis (como o vidro que retorna para a mesma finalidade) são a melhor opção ambiental, a partir do segundo ou terceiro reuso.


A sociedade brasileira vai jogar um papel estratégico para a implementação de políticas públicas com base na redução, reutilização e reciclagem, dado que a pressão dos interesses ligados aos negócios da incineração será grande. Isso exigirá a articulação daqueles que atuam na afirmação do interesse público – garantia da saúde humana, do meio ambiente e da justiça social (um milhão de catadores têm, na nova lei, a possibilidade de exercer seu trabalho de forma digna e sustentável).

A regulamentação, prevista para ser concluída até 2 de novembro de 2010, deverá trazer metas, prazos e procedimentos para viabilizar (as modalidades dos acordos setoriais entre a cadeia produtiva e o poder público) a elaboração dos planos e a integração das cooperativas de catadores.

Um componente estratégico para o sucesso da lei será a criação de mecanismos de fiscalização e controle social de todas as medidas estabelecidas. Os estados terão um papel central no planejamento e instrumentalização técnica e institucional dos gestores municipais, bem como na fiscalização das ações a serem executadas.

A importância da participação da sociedade está indicada na lei, quando cria instrumentos de controle social, tais como os órgãos colegiados municipais, além de apontar os conselhos de meio ambiente e de saúde, já instituídos, como instâncias a serem utilizadas na implementação das novas diretrizes de políticas públicas.

A aposta é que o novo sistema funcione de forma integrada e eficiente, trazendo as tão almejadas inovações para o setor dos resíduos sólidos, especialmente na perspectiva da mudança de padrão de gestão e destinação que reduza ao máximo o impacto ambiental do pós-consumo e, ao mesmo tempo, induza mudanças no padrão de produção e consumo, tão necessárias para o bem viver das atuais e futuras gerações.

*Elisabeth Grimberg é coordenadora executiva e de ambiente urbano do Instituto Pólis. 1 Paul Connett, professor emérito de Química da St. Lawrence University, faz esta afirmação em encontro de integrantes da Aliança Global Anti-Incineração/ Aliança Global para Alternativas à Incineração (Gaia), entre 22 e 24 de agosto de 2008, em Cuernavaca, Morelos, México.


Fonte: Envolverde/Instituto Akatu